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O bem estar dos cavalos depende de entendermos suas reais necessidades
O assunto bem estar do cavalo há muito faz parte das preocupações de quem os cria ou os possui seja para trabalho, lazer ou esporte. Bem estar está fortemente associado ao chamado manejo baseado nas melhores práticas. Contudo, embora os termos sejam auto explicativos este assunto envolve diversos aspectos subjetivos tais como culturais, sistema de crenças, antropomorfismo, hábitos e comportamentos passados ao longo de várias gerações, nível sócio econômico, acesso ao conhecimento, entre outros. Para se ter uma ideia da distância que existe entre a intenção do homem em oferecer bem estar aos cavalos e o efetivo atendimento às necessidades desta espécie gregária e dócil, um estudo realizado no Reino Unido, em 2015 e publicado numa importante revista científica chamada Animal Welfare, contabilizou numa amostra de 1850 cavalos domesticados a presença dos chamados maus comportamentos. Todos os cavalos da amostra tinham extenso contato com humanos e viviam em ambientes equestres tais como centros hípicos, ranchos ou fazendas. Os resultados foram alarmantes e mostraram que comportamentos associados ao desconforto físico e ou mental estão presentes em 82% desta amostra. Foram considerados para a avaliação vinte comportamentos tidos como marcadores de estresse, tais como aerofagia, andar ansioso, agressão a outros cavalos, agressão aos humanos, relincho excessivo, entre outros.
Os fatores que levam ao manejo inadequado para as necessidades dos cavalos são vários. Como exemplo, podemos citar a crença (não embasada cientificamente) de que cavalos atletas que permanecem 20 horas ou mais confinados em cocheiras apresentam melhor desempenho nos treinamentos e provas porque “usam a energia” acumulada para o esporte. Este mito lamentavelmente transforma cavalos mentalmente saudáveis em verdadeiros sociopatas. Isto se dá pela privação da liberdade de movimento, privação de obter volumoso in natura e o mais impactante de tudo, privação de interação ou contato social com outros da mesma espécie. Um grupo de pesquisadores da Universidade de Renne, França, publicou um estudo mostrando que contato social e interação social fazem parte das necessidades básicas dos cavalos. Quando familiarizado e cercado pelos seus pares, os cavalos diminuem as taxas de marcadores de estresse. Isto se dá porque eles se sentem parte de uma manada e, portanto, num sistema hierárquico e de distribuição de tarefas, inclusive a de vigília contra “predadores”. Num ambiente assim, o estresse individual diminui, trazendo benefícios de convivência para todo o grupo. Um cavalo isolado numa cocheira (mesmo que vendo ou tocando seus vizinhos de cocheira) se mantém em estado de alerta permanente, sofrendo as consequências fisiológicas do estresse, com implicações negativas no sistema imunológico, digestivo e comportamental.
Mas…quais seriam as condições mínimas de manejo para oferecer bem estar aos nosso parceiros cavalos?
Esta pergunta foi respondida por um grupo de pesquisadores alemães que conduziu uma revisão da literatura científica com o objetivo de identificar as consequências negativas na fisiologia e comportamento de cavalos privados de um dos seguintes itens: 1) Contato social; 2) Interação social ou 3) Liberdade de movimento para buscar volumoso fresco ou pré secado (gramínea fenada). O que caracteriza o cavalo ter contato social é a presença de condições ambientais que permitam que o cavalo veja e ao menos possa cheirar outro cavalo, seja ele vizinho de baia ou piquete. Neste caso, o cavalo vive em confinamento individual, mas com algum contato com um ou mais cavalos. Já a interação social implica no manejo em que os cavalos vivem em grupos de dois ou mais indivíduos. Nestas condições, cada indivíduo interage livremente com os outros, inclusive tendo a possibilidade de eventuais conflitos. Quanto à liberdade de movimento e acesso a volumoso ad libitum, esta condição essencialmente é obtida quando o cavalo vive solto num piquete ou pasto. No estudo citado anteriormente, cavalos que tinham acesso a estes três itens foram comparados a cavalos privados de um ou mais deles. As variáveis comparadas foram aumento de estresse hormonal, aumento de comportamento agressivo e presença de comportamentos estereotipados.
É importante entendermos que o desenvolvimento de um comportamento anormal e de respostas negativas ao estresse causado por condições ambientais inadequadas são consideradas respostas estrategicamente erradas desenvolvidas pelo cavalo por falta de condições e ferramentas para se ajustar às más condições ambientais. Neste caso, a ausência de contato, interação social ou liberdade de locomoção e acesso a volumoso, bem como a falta combinada de dois destes itens potencialmente imprime sofrimento fisiológico e emocional ao cavalo. Quando pensamos em bem estar dos cavalos e, consequentemente, melhores práticas de manejo, temos que considerar a oferta destes três importantíssimos itens como parte integral da vida deles.